Tomar um remédio como a dipirona (que tomo desde criança) ou não tomar e deixar o corpo passar por isso sozinho? Tratar a febre não é tratar a doença. Mas febre é ruim de sentir.
Mas afinal, o que é febre?
O que é febre?
Hipócrates, no século V a.C. foi provavelmente o primeiro a entender e caracterizar a febre como parte da resposta imunológica.
Sydenham (que de maneira cômica tem o apelido “Hipócrates Inglês”) descreveu a febre como “a máquina da natureza que ela coloca no campo para remover seu inimigo”.
Durante muitos anos achavam também que a febre era uma doença em si própria em vez de um sinal de outra doença. Outra coisa é que não havia aparelhos pra medir a temperatura dos pacientes. Só no século XIX, quando Karl Wunderlich instituiu o uso de termômetros e cartões de temperatura para monitorar as mudanças nos pacientes ao longo do tempo, foi incorporado esse sinal vital no diagnóstico (1). Na figura podemos ver uma tabela de Wunderlich.
“In fact, in 1961 the clinical picture of ‘Fever of Unknown Origin’ was officially defined.”
Gian Franco Gensini, Andrea A Conti
Outra coisa que aprendi é que a febre é “criada” no hipotálamo. Ele atua como o termostato do corpo. Quando tudo está bem, o hipotálamo é ajustado à temperatura normal (descoberta também por Wunderlich, ~36.8 °C). A febre se desenvolve quando o hipotálamo é ajustado para uma temperatura mais alta do que o normal. Essa redefinição do hipotálamo geralmente é causada por pequenas moléculas chamadas pirogênios (que são produzidas por certos organismos).
A temperatura “oficial” segundo o American College of Critical Care Medicine e da Infectious Diseases Society of America é de 38,3 °C ou mais, o que é geralmente aceito como febre para pacientes em ambiente de UTI.
A febre é uma reação hospedeira com de origem filogenética antiga a microorganismos invasores e outros estímulos nocivos.
Por exemplo, animais ectotérmicos podem atingir temperaturas febris ao procurar um ambiente quente em resposta a um ponto de ajuste mais alto em seu centro termorregulador. Organismos endotérmicos produzem temperaturas febris por meio da produção endógena de calor com o custo de uma taxa metabólica mais alta.
No entanto, a febre tem sido conservada ao longo da evolução por milênios, obviamente devido à sua vantagem na defesa do hospedeiro. Apesar desses argumentos, a maioria dos médicos, enfermeiros e pacientes trata a febre com antipiréticos. O papel da febre na recuperação de infecções de baixo risco é, na melhor das hipóteses, marginal.
Aqueles que defendem a abordagem de “deixe seguir” argumentam que a febre é um mecanismo de proteção com benefícios que vão desde o aprimoramento da função das células imunológicas até a promoção da atividade antimicrobiana (2, 3). Na última década, vários estudos apoiaram essa hipótese.
A febre é boa ou ruim?
Cientificamente, simplesmente não sabemos. Estima-se que a febre tenha mais de 4 milhões de anos e tenha sido documentada nos filos Vertebrata, Arthropoda e Annelida (5). Apesar de seu longo histórico de estudo, o mecanismo exato da febre e seu efeito potencialmente protetor não estão totalmente delineados.
Pode-se hipotetizar que o tratamento da febre compromete a competência imunológica e torna os pacientes mais suscetíveis a infecções. Tome, por exemplo, o experimento de Kluger et al. em 1981 (6). Nele, Kluger et al. infectaram iguanas de sangue frio com bactérias. Ele lhes deu a oportunidade de buscar calor por meio de lâmpadas solares, e todas, exceto uma, buscaram o calor para aumentar sua temperatura. Aquela que não o fez foi a única que morreu. Em seguida, ele injetou bactérias nas iguanas e deu a elas antipiréticos. As iguanas que foram capazes de desenvolver febre apesar do antipirético foram as únicas que sobreviveram.
Este experimento simplista, além da plausibilidade biológica dos efeitos benéficos da febre, agora apoiada por vários ensaios clínicos randomizados importantes, sugere que talvez seja hora de adotar uma abordagem mais permissiva em relação à febre.
Referências
(0) https://jtd.amegroups.org/article/view/6205/5997
(1) https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/15236913/
(2) https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/6789670/
(3) https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/12793871/
(4) https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/16433601/
(5) https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11113022/
(6) https://www.pbs.org/wgbh/evolution/library/10/4/l_104_04.html
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