Category: Philosophy

  • O que é filosofia?

    “A Filosofia,” escreve Sir William Hamilton, “foi definida como: A ciência das coisas divinas e humanas, e das causas em que estão contidas [Cícero]; A ciência dos efeitos por suas causas [Hobbes]; A ciência das razões suficientes [Leibniz]; A ciência das coisas possíveis, na medida em que são possíveis [Wolff]; A ciência das coisas evidentemente deduzidas de primeiros princípios [Descartes]; A ciência das verdades, sensíveis e abstratas [Condillac]; A aplicação da razão aos seus objetos legítimos [Tennemann]; A ciência das relações de todo o conhecimento com os fins necessários da razão humana [Kant]; A ciência da forma original do ego ou do eu mental [Krug]; A ciência das ciências [Fichte]; A ciência do absoluto [von Schelling]; A ciência da indiferença absoluta entre o ideal e o real [von Schelling] – ou, A identidade da identidade e da não-identidade [Hegel].”

  • Limitarianismo

    A seguir, apresento uma reflexão pessoal sobre os trabalhos “What, if Anything, is Wrong with Extreme Wealth?” (Ingrid Robeyns), “Corporate Limitarianism” (Karl Meyer) e “Rejecting Robeyns’ Limitarianism” (Timothy J. Nicklas).

    O objetivo é refletir sobre as principais teses e argumentações dos textos, relacionando as implicações éticas e práticas do limitarianismo – tanto em relação aos indivíduos quanto às corporações – sem a intenção de dialogar com terceiros, mas apenas de ordenar meu próprio pensamento.

    Introdução

    Tenho me dedicado a desenvolver uma opinião sólida sobre se há, de fato, algo moralmente questionável na acumulação extrema de riqueza. A hipótese central é a de que, uma vez que se alcança um patamar no qual recursos adicionais deixam de melhorar a qualidade de vida, o excesso passa a ser um fardo para a sociedade. Essa ideia também abrange a possibilidade de que tanto indivíduos quanto grandes corporações deveriam ter um teto para a acumulação de capital, de modo a evitar que a riqueza extra possa ser convertida em influência política ou utilizada para perpetuar desigualdades.


    Resumo

    A Proposta de Limitarianismo de Robeyns

    Robeyns sustenta que existe um “limite de suficiência” – um valor de riqueza a partir do qual o dinheiro adicional não contribui para o bem-estar pessoal. Dois argumentos fundamentam essa posição:

    • O Argumento Democrático: Segundo essa perspectiva, a acumulação de riqueza acima do necessário abre espaço para que os super-ricos comprem influência política. Essa influência, ao ser direcionada para interesses particulares, compromete a igualdade entre os cidadãos e corrói os alicerces da democracia. A ideia de que o excesso financeiro possa ser usado para alterar agendas e direcionar decisões legislativas levanta uma preocupação sobre a centralização do poder nas mãos de uma minoria.
    • O Argumento das Necessidades Urgentes: A outra vertente defende que o dinheiro além do necessário deveria ser redirecionado para enfrentar problemas urgentes, como a pobreza extrema, a desigualdade de oportunidades e a crise climática. Nesse sentido, o capital “supérfluo” é visto não como algo que agregue valor à qualidade de vida de quem o detém, mas como um recurso que poderia ser melhor empregado para resolver desafios coletivos e imediatos.

    A Crítica de Nicklas ao Limitarianismo

    Timothy Nicklas apresenta uma crítica contundente à ideia de impor limites rígidos à riqueza. Seus principais pontos de contestação incluem:

    • Subjetividade do Bem-Estar: O bem-estar, na visão de Nicklas, é intrinsecamente subjetivo. Cada pessoa possui desejos, paixões e circunstâncias de vida distintas, o que torna inviável a formulação de um padrão universal que defina o que seria “suficiente”. A imposição de uma linha fixa para a acumulação de riqueza ignora essa diversidade e pode resultar em medidas arbitrárias.
    • Implicações para a Inovação e o Crescimento Econômico: Existe ainda a preocupação de que limitar a acumulação de riqueza possa reduzir os incentivos para a inovação e o desenvolvimento econômico. O capital adicional, mesmo que supérfluo em termos de bem-estar pessoal, pode ser um motor de investimentos, tecnologias e de avanços que, a longo prazo, beneficiem toda a sociedade.

    Limitarianismo Estendido para Empresas

    Karl Meyer amplia o debate propondo o “corporate limitarianism”. Ele argumenta que as grandes corporações, assim como os indivíduos, acumulam recursos que excedem suas necessidades operacionais e poderiam ser empregados de forma mais produtiva ou justa, sobretudo para combater desigualdades ou financiar soluções a problemas críticos como a mudança climática.
    Essa linha de pensamento reforça a ideia de que a concentração de capital não é isenta de consequências negativas e que, quando acumulada sem limites, pode ser utilizada para exercer influência política e distorcer os processos democráticos.


    Reflexões

    A idéia de Ingrid Robeyns não é nova, mas um tema interessante de ser revisitado neste momento dado o contexto atual do mundo. Robeyns a estrutura de forma clara e direta: o excesso de riqueza pode ser convertido em poder político, corroendo as bases da democracia e ampliando desigualdades. Além disso, num mundo repleto de necessidades urgentes – pobreza, fome, crise climática, saúde pública – o dinheiro excedente poderia ser mais bem utilizado se redistribuído.

    Karl Meyer amplia essa perspectiva ao aplicá-la às corporações. Empresas gigantes, com lucros que ultrapassam orçamentos de países, acumulam recursos além de qualquer uso operacional razoável. Esse capital, frequentemente direcionado à influência política e à manutenção de monopólios, poderia ser revertido para mitigar os danos ambientais que muitas dessas mesmas empresas ajudam a causar. Meyer mostra que não se trata apenas de “grandeza” econômica, mas de uma disfunção moral que já atravessa a espinha dorsal do capitalismo moderno.

    Mas, como é comum nos bons debates filosóficos, há quem discorde. Timothy Nicklas rejeita os argumentos de Robeyns, criticando a base conceitual do limitarianismo. Segundo ele, o bem-estar é subjetivo demais para que se possa estabelecer um limite universal de riqueza. O que é “suficiente” para um pode não ser para outro. Além disso, há a preocupação de que um teto de riqueza possa desestimular inovação, investimentos e esforço. Essa crítica me faz pensar, porque reconhece um ponto real: a complexidade do desejo humano e as múltiplas formas de se viver bem. A riqueza, para alguns, é um meio de criar, construir, ajudar, explorar – e não apenas acumular.

    Apesar disso, percebo que esses argumentos, embora intelectualmente respeitáveis, soam, para mim, como desvios que mascaram uma verdade mais profunda e incômoda: a humanidade adoeceu.

    A concentração extrema de riqueza – tanto nas mãos de indivíduos quanto de corporações – não é apenas um fenômeno econômico; ela é o sintoma de uma doença civilizatória. Estamos vivendo uma era de abundância tecnológica, mas escassez de sentido. Avançamos nas máquinas, retrocedemos na alma. Multiplicamos conexões digitais, mas perdemos as conexões humanas.

    Trabalhamos mais do que nunca. Produzimos mais do que nunca. Estamos mais ocupados, mais cansados, mais ansiosos. Para manter funcionando uma engrenagem que gira em torno da ideia de crescimento infinito, como se os recursos da Terra – e os da nossa sanidade – fossem igualmente infinitos.

    A crítica ao limitarianismo parte do pressuposto de que precisamos da liberdade irrestrita para acumular e gastar como quisermos. Mas o que fazemos com essa liberdade? Recriamos desigualdades, destruímos o planeta, terceirizamos o sofrimento. Uma minoria nada em cifras irreais enquanto bilhões lutam para sobreviver. Isso não é liberdade. É disfunção.

    Eu acredito, sinceramente, que estamos andando para trás. A velocidade com que nos afastamos de uma vida enraizada no presente, na suficiência, na tranquilidade, é assustadora. A vida humana está sendo vendida ao cansaço, ao acúmulo, à disputa, enquanto o tempo – o único recurso realmente escasso – escorre pelos dedos.

    Por tudo isso, por mais que eu reconheça as dificuldades conceituais e práticas do limitarianismo, concordo com ele. Não acredito que seja possível uma sociedade justa, serena e verdadeiramente democrática num mundo onde alguns podem comprar tudo.

    A ideia de limitar o excesso – e redistribuí-lo – não é um ataque à liberdade. É um gesto de resgate. Um resgate da dignidade comum, do valor intrínseco da vida, da possibilidade de um mundo menos apressado, menos desigual, menos doente.

  • Aparência

    A tal respeito, pareceu-me, do mesmo modo, oportuno imitar os retóricos de nossos dias, que consideram a si mesmos outras tantas divindades, visto como se podem gabar de outras línguas, como a sanguessuga, e têm como coisa maravilhosa incluir nos seus discursos, de atropelo, ainda que fora de propósito, palavrinhas gregas, com o fim de formar belíssimos mosaicos.

    E, quando sucede que um desses tais oradores desconhece as línguas estrangeiras, desencrava ele de rançosos papéis quatro ou cinco vocábulos, com os quais atira poeira aos olhos do leitor, de modo que aqueles que o compreendem se envaideçam do próprio saber e aqueles que não o compreendem passem a admirá-lo na proporção da própria ignorância.

    Para nós, que somos os tolos, um dos maiores prazeres não estará em admirar, com a máxima surpresa, tudo quanto nos chega dos países ultramontanos?

    Por fim, se existirem alguns que, mesmo que nada entendam desses velhos idiomas, queiram demonstrar que os compreendem, em tal caso devem mostrar uma fisionomia satisfeita, dar sua aprovação abanando a cabeça, ou tão-só as enormes orelhas de burro, e dizer com uma expressão de importância: “Bravo! Bravo! Muito bem! Exatamente!”

  • Definir e Dividir

    Não espereis que, conforme o hábito dos retóricos comuns,
    eu vos apresente a minha definição e ainda menos a minha
    divisão. Efetivamente, que é definir? É enfeixar a idéia de algo
    nos seus exatos limites. E que é dividir? É separar uma coisa
    em suas diferentes partes. Ora, nem uma nem a outra me
    são convenientes. Como eu poderia limitar-me, quando o
    meu poder está estendido a toda a espécie humana? E como
    seria possível dividir-me, quando tudo colabora, geralmen-
    te, para garantir a minha divindade? Além do mais, por que
    me pintaria como sombra e imagem numa definição quan-
    do eu estou frente a vossos olhos e me vedes em pessoa?

  • As doze virtudes morais de Aristóteles

    Como a natureza humana é complexa e frequentemente tende ao oposto da eudaimonia, da mesma forma que as circunstâncias, o homem deve submeter-se a regras e critérios racionais para obter equilíbrio em pelo menos doze instâncias. Esse equilíbrio se dá por meio das doze virtudes morais, as quais devem ser desenvolvidas no homem:

    1. a coragem, que se constitui de um equilíbrio entre a sensação de medo e de confiança;

    2. a temperança, que é o equilíbrio entre prazeres e dores;

    3. a liberalidade, que é um equilíbrio entre o dar e o receber ou reter dinheiro;

    4. a magnificência, que é o equilíbrio do dinheiro dado em grandes quantidades, pois seu excesso é vulgar e de mau gosto e sua deficiência é a mesquinhez;

    5. o justo orgulho, que é o equilíbrio entre a honra e a desonra;

    6. o anônimo, é o equilíbrio entre a ambição e a desambição;

    7. a calma, que é o equilíbrio entre a cólera e a pacatez;

    8. a veracidade, que é o equilíbrio entre o exagero e a falsa modéstia;

    9. a espirituosidade, que é o equilíbrio entre a aprazabilidade e a rusticidade;

    10. a amabilidade, que é o equilíbrio entre ser obsequioso e ser mal-humorado;

    11. a modéstia, que é o equilíbrio entre o acanhado e o despudorado; e

    12. a justa indignação, que é o equilíbrio entre a inveja e o despeito.

    Portanto, os atos morais, para Aristóteles (2007, p. 88), são aqueles que, depois da deliberação, com o auxílio da prudência, são realizados.

  • Aristóteles – Sophia e Phronesis

    Para Aristóteles, a parte racional da alma, na qual estão as virtudes dianoéticas, divide-se também em duas faculdade racionais: a científica ou contemplativa e a calculativa.

    A primeira – a científica ou contemplativa – permite contemplar as coisas invariáveis, aquelas que não podem ser de outro modo, e nesta parte opera a virtude denominada sophia, ou sabedoria.

    Na segunda parte – a calculativa – opera o contingente, aquilo que pode ser de outra maneira. Esta virtude é a phronesis, que pode ser traduzida como prudência, sabedoria prática ou discernimento.

    sophia é uma combinação do conhecimento científico com a inteligência, como o conhecimento que tem o médico ou o artesão, que já sabem exata e metodologicamente o que devem fazer em uma dada situação. Afinal, “todos nós supomos que aquilo que conhecemos cientificamente não é capaz de ser de outra forma.” (Aristóteles, citado por Polesi, 2006, p. 67).

    phronesis, por sua vez, é uma capacidade de deliberar sem métodos específicos, sem fórmulas específicas, mas corretamente, pelo bem viver do homem, em situações não previstas. É, porém, mais que uma simples capacidade racional, como explica o próprio Aristóteles (citado por Polesi, 2006, p. 67)

    A sabedoria prática no entanto é mais que uma simples disposição racional, pois é possível deixar de usar uma faculdade racional mas não a sabedoria prática.

    Por não produzir nada, a prudência não é arte; por não visar a objetos imutáveis ou eternos, não é mero saber teórico. Aristóteles considera prudente o homem que possui o senso communis, sabe o que tem de fazer em situações particulares e muda o plano de ação caso as situações se alterem.

    ética de Aristóteles, em sua própria opinião, não deveria ser apenas algo teórico (uma tendência dos gregos em geral). Deveria estimular atitudes para chegar a resultados, como o de tornar-se efetivamente bom. Como ensinava Aristóteles (1973, p. 68), “a presente investigação não visa conhecimento teórico como as outras (porque não estamos investigando apenas para saber o que é virtude, mas para nos tornarmos bons, pois do contrário esse estudo seria inútil)”.

  • Tetrapharmakos (τετραφάρμακος) de Epicuro

    Epicuro estudou um vasto campo de coisas, como a moral, os meteoros e a felicidade, mas sua contribuição mais brilhante é o Tetrapharmakon, que podemos interpretar como uma receita médica quádrupla para a alma do homem. Os quatro medicamentos ou tratamentos, conforme Martha Nussbaum (1994), poderiam ser assim sintetizados:

    1. Não há nada a temer quanto aos deuses (ou os deuses não devem ser temidos).
    2. Não há necessidade de temer a morte (ou a morte não deve causar apreensão).
    3. A felicidade é possível (ou o bem é facilmente obtido).
    4. Podemos escapar à dor (ou o terrível facilmente chega ao fim).

    Foi uma analogia a um remédio grego famoso, com o mesmo nome. Era um composto farmacêutico conhecido na farmacologia da Grécia Antiga como uma mistura de cera, resina, breu e gordura animal, na maioria das vezes a gordura de porco.

  • Relações entre a sabedoria semita e a filosofia pré-socrática

    Eu achei muito interessante os paralelos existentes entre a sabedoria semita e a sabedoria que se desenvolveu com os filósofos gregos pré-socráticos. Não ficou claro para mim, porém, se houve alguma apropriação, mas parecem conceitos bastante próximos.

    Inclusive em minhas leituras por aí vi que houve uma figura no Egito chamada de Hermes Trismegistus (tem o texto dele na biblioteca), que possivelmente foi um grande sábio e que também trouxe a ideia da unidade em seus textos. Conhecido como Hermes “três vezes grande”, ele traz na sua obra as 3 iniciações: a) a percepção inicial do eu ontológico b) a observação do sagrado que não sou eu e c) sendo o ápice da sua sabedoria, que eu mesmo sou o sagrado. O que é uma coisa que influenciou uma série de filósofos e pensadores através dos tempos.

    Ligando agora com a sabedoria semita, é interessando notar que para eles a sabedoria estava ligada com a “arte de fazer”, a destreza em sí, e a “arte de viver”, passar o conhecimento adquido adiante.

    Já para os gregos havia um outro conceito para a “sabedoria”, apesar de semelhante. A razão (conforme desenvolvida nos pré-socráticos) era a principal ferramenta de investigação da realidade.

    Esse incremento da sabedoria semitica, por assim dizer, permitiu que uma gama gigante de novos tipos de conhecimento fossem agregados ao ato de pensar: matemática (provavelmente do egito). Houve também uma discussão mais profunda sobre a relação da alma e corpo com o sagrado, e a discussão (talvez um tanto quanto inicial) sobre as relações do todo com o um, através da discussão e da busca do Arché (origem). Essa discussão era estritamente oposta ao politeísmo grego, por isso foi rejeitada na época. A discussão toma corpo com Xonófanes e Heráclito.

    Talvez podemos dizer que eles foram os precursores da unificação posterior da religião cristã em Roma?

  • Dor de Idéia

    Kolakowski, filósofo polonês, compara o filosofo a um bufão, bobo da corte, cujo ofício é fazer rir. O filosofar amansa as palavras: aquela cachorrada feroz que latia, ameaçava e não deixava dormir se transforma em cachorrada amiga de caudas abanantes. O filosofar ensina a surfar: de repente, a gente se vê deslizando sobre as ondas terríveis das dores de ideia. Também serve para pôr luz no escuro. Quando a luz se acende o medo se vai. Muita dor de ideia se deve à falta de luz. Os demônios fogem da luz. Wittgenstein diz que filosofia é contrafeitiço. É boa para nos livrar das dores de ideia, produtos de feitiçaria […] A filosofia nos torna desconfiados. Quem desconfia não fica enfeitiçado. Palavra de mineiro.

    (ALVES, R. Palavras para desatar nós. Campinas: Papirus, 2013)